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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A ARTE DE OUVIR






Muitas vezes somos traídos pela tendência de falar sem pensar e de forma irrefletida.
Deus, em sua infinita sabedoria, nos fez possuidores de uma só boca e dois ouvidos, querendo com isso que utilizássemos em dobro nossa capacidade de ouvir e nos habituássemos à contenção de palavras inúteis e julgamentos inconvenientes.
Geralmente, quando estamos zangados, expressamos juízos e conceitos dos quais muito nos arrependemos, quando a calma sobrevém. Mas, muitas vezes, esse arrependimento não é suficiente para remediarmos os danos causados nas outras pessoas.
Charles Chaplin cunhou uma frase que me parece bastante apropriada para nos alertar sobre a armadilha do “falar demais”: “Cuidado com as palavras pronunciadas em discussões e brigas que revelem sentimentos e pensamentos que na realidade você não sente e não pensa… pois, minutos depois, quando a raiva passar, você delas não se lembrará mais… Porém, aquele a quem tais palavras foram dirigidas, jamais as esquecerá…”.
Geralmente, reagimos com visível desagrado a dicas e sugestões de pessoas que nos querem bem, visando nossa melhoria íntima. São temas que nos parecem chatos e maçantes. Certamente, se levadas em conta, muitas dessas palavras plenas de sabedoria representariam mudança de conduta e o abandono de muitos vícios.
Nem sempre o “falar demais” manifesta-se nas horas de raiva. Muitas vezes, a tendência em falar mais da vida alheia que dos valores que nos enriquecem a existência incentiva a proliferação de boatos e fofocas.
Quando surge um colega trazendo informações sobre as últimas novidades dos namoros, demissões e problemas dos outros, o tempo que parecia não existir aparece, o cansaço e a falta de paciência cedem imediatamente lugar ao interesse e à curiosidade.
Como seria proveitoso se pudéssemos dedicar esse mesmo interesse e atenção para ouvir e ajudar muitos amigos que nos procuram para um diálogo saudável, muitas vezes com inquietações e angústias e nós simplesmente não temos tempo e sensibilidade suficientes para escutar.
Aliás, como é difícil para todas as pessoas parar para escutar. Somos ávidos por falar; vivemos ansiosos porque falamos muito e escutamos pouco ou quase nada. Nossa palavra sempre deve ter o maior peso. Queremos ter sempre a primeira e a última palavra.
Saber ouvir exige que façamos opção consciente em apreender o que se passa com o outro, de forma solidária e sem preconceitos, com o objetivo de buscarmos o entendimento.
O diálogo nem sempre é uma tarefa fácil, pois envolve a disponibilidade para aprender novas idéias, quando antes gostaríamos de ensinar; humildade para reconhecer que não somos perfeitos e que não sabemos tudo a respeito de todos os assuntos e admitir a coerência de fundamentos e idéias que não são nossos.
Ouvir é diferente do simples ato de escutar. Escutar é o uso puro e simples do sentido da audição e só não escuta quem é surdo. Ouvir é muito mais profundo pois envolve a pessoa por inteiro e é um processo ativo, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa ser.
Exercitar a arte de ouvir o nosso semelhante apura nossa sensibilidade, permitindo-nos romper a concha de isolamento criada pelo individualismo – outra das características negativas da nossa personalidade – e participar das experiências e emoções das outras pessoas.
Ouvir é renunciar! É a mais alta forma de altruísmo em tudo quanto essa palavra signifique de amor e atenção ao próximo. Talvez por essa razão a maioria das pessoas ouça tão mal, ou simplesmente não ouça. Vivemos imersos em cogitações pessoais e é raro conseguirmos passar algum tempo sem pensar em nós mesmos.
Atitudes recorrentes daqueles que não sabem ouvir com atenção e paciência:
a) Responder antes que o interlocutor tenha concluído seu pensamento.
b) Ficar impaciente diante de pessoas tentando explicar algo.
c) Olhar insistentemente para o relógio, paralisando a comunicação do outro.
d) Usar expressões faciais de enfado, desaprovação, invalidação, menosprezo, diante do assunto.
e) Desviar o olhar do rosto da outra pessoa.
f) Mudar abruptamente de assunto.
g) Fazer com que o outro se cale, dizendo que não adiantaria nada ouvi-lo.
Para falar bem não basta uma boca. Há muita gente que, não sabendo usá-la, tem feito um grande estrago com o que diz. Antes de nos julgarmos incompreendidos e injustiçados pelo mundo, não nos devemos esquecer que a causa dos nossos problemas e do desencontro na relação com a outra pessoa pode estar alojada em nós mesmos.
Saber ouvir leva tempo, prática e paciência. É uma arte que mantém vivos o respeito, a afeição, a amizade, o sentimento de confiança que o outro deposita em nós. Faz com que nossos clientes, colegas de trabalho, filhos, cônjuges e namorados, sintam-se como pessoas importantes e amigos privilegiados. Assuma, hoje mesmo, um compromisso de falar menos e ouvir melhor.
Existe um ensinamento que diz: “o verdadeiro valor de um homem não pode ser encontrado nele mesmo, mas nas cores e texturas que faz surgir nos outros…”.


À Boca Fechada



Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.